Um Guia do Cético para a Teoria Monetária Moderna — Gregory Mankiw

Tiago Zeitone
10 min readFeb 9, 2021

Durante o ano passado, muita atenção da mídia se concentrou em uma nova abordagem macroeconômica, batizada de Teoria Monetária Moderna (TMM) por seus proponentes. A TMM entrou em cena de maneira incomum. Pelo seu nome, pode-se supor que surgiu nas melhores universidades, enquanto estudiosos proeminentes debatiam os pontos delicados de teoria macroeconômica. Mas esse não é o caso. Em vez disso, a TMM foi desenvolvida em um pequeno canto da academia e se tornou famosa apenas quando alguns políticos bem conhecidos — particularmente o Senador Bernie Sanders e a Deputada Alexandria Ocasio-Cortez — chamaram a atenção para ela porque seus princípios estavam em conformidade com suas visões sobre política econômica.

Essa história é suficiente para deixar acadêmicos como eu céticos, mas não é suficiente para rejeitar a teoria. Mesmo as ideias que surgem de maneiras incomuns podem estar certas. Então, recentemente tentei descobrir o que era a TMM. Eu queria identificar as principais diferenças entre essa nova abordagem macroeconômica e a abordagem dos livros didáticos convencionais, como o meu.

Felizmente, havia um veículo ideal para essa empreitada. Em 2019, a Red Globe Press publicou um novo livro, simplesmente intitulado Macroeconomics, escrito por três proponentes da TMM: William Mitchell e Martin Watts (ambos da Universidade de Newcastle, Austrália) e L. Randall Wray (Bard College). Este breve ensaio explica o que aprendi sobre a TMM da forma que o livro a tratou.

De início, devo admitir que achei incômoda a tarefa de compreender a TMM. Ao estudá-la, muitas vezes fiquei intrigado com o que exatamente estava sendo afirmado. Apresso-me em acrescentar que os problemas que tive podem ter sido causados por mim mesmo. Talvez depois de quarenta anos na profissão, eu esteja muito envolvido na macroeconomia convencional para apreciar integralmente a TMM. Levanto essa possibilidade porque os proponentes da TMM podem dizer que eu perdi as nuances de sua abordagem. Mas o que se segue é minha reação honesta à TMM após um esforço sincero para entendê-la.

A TMM começa com a restrição orçamentária do governo sob um sistema de moeda fiduciária. De acordo com Mitchell, Wray e Watts (daqui em diante MW&W), a abordagem padrão, que relaciona o valor presente da receita tributária ao valor presente dos gastos do governo e da dívida do governo, é enganosa. Eles escrevem: “A conclusão mais importante alcançada pela TMM é que o emissor de uma moeda não enfrenta restrições financeiras. Em termos simples, um país que emite sua própria moeda nunca pode ficar sem dinheiro e nunca pode se tornar insolvente em sua própria moeda. Pode fazer todos os pagamentos à medida que vencem.” (MW&W, p. 13). Como resultado, “para a maioria dos governos, não há risco de inadimplência da dívida pública” (MW&W, p. 15).

Ao ler essas palavras, minha reação alterna entre a concessão lânguida e a oposição veemente. Claramente, um governo emissor de moeda sempre pode imprimir mais dinheiro quando uma conta vence. Essa capacidade pode parecer liberar o governo de quaisquer restrições financeiras. Certamente, se um indivíduo tivesse acesso à impressora monetária, suas restrições financeiras se tornariam muito menos imperativas. Mas estou relutante em chegar a uma conclusão semelhante para um governo nacional, por três razões.

Em primeiro lugar, em nosso sistema monetário atual, com juros pagos sobre as reservas, qualquer dinheiro que o governo imprima para pagar uma conta provavelmente acabará no sistema bancário como reservas, e o governo (por meio do Fed) precisará pagar juros sobre essas reservas. Isto é, quando o governo imprime dinheiro para pagar uma conta, está, na verdade, tomando emprestado. O dinheiro pode ficar como reserva para sempre, mas os juros aumentam ao longo do tempo. Um proponente da TMM apontará que os juros podem ser pagos imprimindo ainda mais dinheiro. Mas a base monetária em constante expansão terá mais ramificações. A demanda agregada aumentará devido a um efeito riqueza, eventualmente estimulando a inflação.

Em segundo lugar, se não forem pagos juros suficientes sobre as reservas, a expansão da base monetária aumentará os empréstimos bancários e a oferta de moeda. As taxas de juros devem então cair para induzir as pessoas a manter a oferta monetária expandida, novamente pressionando para cima a demanda agregada e a inflação.

Terceiro, o aumento da inflação reduz a quantidade real de moeda demandada. Essa queda nos saldos monetários reais, por sua vez, reduz os recursos reais que o governo pode reivindicar por meio da criação de dinheiro. Na verdade, é provável que haja uma curva de Laffer para senhoriagem. Um governo que age como se não tivesse restrições financeiras pode rapidamente se ver do lado errado dessa curva de Laffer, onde a capacidade de imprimir dinheiro tem pouco valor na margem.

Diante dessas circunstâncias, um governo pode decidir que não pagar suas dívidas é a melhor opção, apesar de sua capacidade de gerar mais dinheiro. Ou seja, o default do governo pode ocorrer não porque seja inevitável, mas porque é preferível à hiperinflação.

Essa discussão nos leva à teoria da inflação. Tenho adotado a visão predominante, explicada de maneira mais simples pela teoria quantitativa da moeda, de que uma alta taxa de criação de moeda é inflacionária. Os proponentes da TMM questionam essa conclusão. Eles afirmam que “não existe uma relação proporcional simples entre aumentos na oferta de moeda e aumentos no nível geral de preços.” (MW&W, p. 263).

Essa afirmação exagera o caso contra a visão dominante. Em dados decenais dos EUA desde 1870, a correlação entre a inflação e o crescimento da moeda é de 0,79. Os dados entre países exibem uma correlação igualmente forte (MANKIW, 2019, p. 109–110).

No entanto, os macroeconomistas convencionais também vão além do raciocínio da teoria quantitativa mais simplista. Eles enfatizam que a demanda por moeda pode ser instável, que distinguir ativos monetários e não monetários é difícil em um mundo de rápida inovação financeira, que o crescimento monetário futuro esperado pode influenciar a inflação atual quando as pessoas estão forward-looking e que vários fatores além da política monetária influenciam a demanda agregada e a inflação. Eles também reconhecem que, segundo os arranjos de política atuais, os bancos centrais têm como meta as taxas de juros no curto prazo e a inflação no longo prazo e que os agregados monetários desempenham um papel pequeno. Mas essas ideias refinam a teoria quantitativa da moeda em vez de refutá-la.

Os proponentes da TMM apresentam uma abordagem muito diferente da inflação. Eles escrevem: “A teoria do conflito situa o problema da inflação como sendo intrínseco às relações de poder entre os trabalhadores e o capital (conflito de classes), que são mediadas pelo governo dentro de um sistema capitalista” (MW&W, p. 255). Ou seja, a inflação fica fora de controle quando os trabalhadores e os capitalistas lutam para reivindicar uma parcela maior da renda nacional. Segundo essa visão, as políticas de renda, como as diretrizes do governo para salários e preços, são uma solução para a alta da inflação. Os defensores do MMT veem essas diretrizes, e até mesmo os controles governamentais sobre salários e preços, como uma espécie de arbitragem na luta de classes em andamento (MW&W, pp. 264–265).

As principais teorias da inflação enfatizam não a luta de classes, mas o crescimento excessivo da demanda agregada, muitas vezes devido à política monetária. Essa ideia também aparece na TMM. Seus proponentes admitem que “todo gasto (privado ou público) é inflacionário se impulsionar a demanda agregada nominal acima da capacidade real da economia para absorvê-la” (MW&W, p. 127).

Os defensores da TMM, no entanto, fazem essa possibilidade parecer mais hipotética do que real. Também somos informados de que “as economias capitalistas raramente estão em pleno emprego. Uma vez que as economias normalmente operam com capacidade produtiva livre e frequentemente com altas taxas de desemprego, é difícil manter a visão de que não há espaço para as empresas expandirem a produção real quando há um aumento na demanda agregada nominal.” (MW&W, p. 263).

Vamos primeiro relembrar o trabalho sobre desequilíbrio geral da década de 1970 (BARRO e GROSSMAN, 1971; MALINVAUD, 1977). Essas teorias consideravam os salários e os preços como dados e tinham por objetivo compreender a alocação de recursos quando os mercados não se ajustavam. De acordo com essas teorias, a economia pode se encontrar em um dos vários regimes, dependendo de quais mercados estão experimentando excesso de oferta e quais mercados estão experimentando excesso de demanda. O regime mais interessante é o chamado “Regime Keynesiano”, no qual tanto o mercado de bens quanto o mercado de trabalho apresentam excesso de oferta. No regime keynesiano, o desemprego surge porque a demanda de trabalho é insuficiente para garantir o pleno emprego com os salários vigentes; a demanda por trabalho é baixa porque as empresas não podem vender tudo o que desejam aos preços vigentes; e a demanda pelo produto das empresas é inadequada porque muitos clientes estão desempregados. As recessões resultam de um círculo vicioso de demanda insuficiente.

Agora avancemos para a próxima década. Como grande parte da tradição keynesiana presumia que os salários e preços falhavam em ajustar os mercados, uma nova pesquisa keynesiana subsequente, principalmente durante a década de 1980, teve como objetivo explicar o ajuste de preços e salários. Esta literatura explorou várias hipóteses: que as empresas com poder de mercado enfrentam custos de menu ao alterar preços; que as empresas pagam a seus trabalhadores salários de eficiência acima do nível de equilíbrio de mercado para promover a produtividade do trabalhador; que os responsáveis pela definição de salários e preços se desviam da racionalidade perfeita; e que existem complementaridades entre rigidez real e nominal (YELLEN, 1984; MANKIW, 1985; AKERLOF e YELLEN, 1985; BLANCHARD e KIYOTAKI, 1987; BALL e ROMER, 1990).

Há uma relação importante, mas frequentemente negligenciada, entre essas duas linhas de pesquisa novo keynesiana. Em particular, pode-se ver o trabalho posterior sobre determinação de salários e preços como o estabelecimento da centralidade do regime keynesiano destacado na pesquisa anterior sobre desequilíbrio. Quando as empresas têm poder de mercado, elas cobram preços acima do custo marginal, portanto, sempre querendo vender mais aos preços vigentes. Em certo sentido, se a maioria das empresas possui algum grau de poder de mercado, então os mercados de bens normalmente estão em um estado de excesso de oferta. Essa teoria do mercado de bens é frequentemente associada a uma teoria do mercado de trabalho com salários acima do equilíbrio, como o modelo de salário-eficiência. Como resultado, o regime keynesiano de excesso de oferta generalizado não é apenas um resultado possível para a economia, mas o típico.

Essa lógica me leva de volta à TMM. A conclusão de que “as economias normalmente operam com capacidade produtiva livre” pode ser interpretada no sentido de que as economias estão geralmente no regime keynesiano de excesso de oferta generalizado. Neste sentido, a TMM é semelhante à análise novo keynesiana.

Neste ponto, vale a pena distinguir o nível natural de produção e o emprego de nível ótimo. O nível natural é o nível em que a economia se encontra na média e para o qual a economia gravita no longo prazo, enquanto o nível ótimo é o nível que maximiza o bem-estar social. Quando o excesso de oferta generalizado é a norma devido ao poder de mercado generalizado, o nível natural está abaixo do nível ótimo.

A inflação tende a aumentar quando o produto e o emprego excedem seus níveis naturais, mesmo que permaneçam abaixo de seus níveis ideais. Afinal, os responsáveis pela definição de preços não visam maximizar o bem-estar social. Eles visam maximizar o bem-estar privado e o fazem atingindo seus mark-ups alvo de preços acima do custo marginal.

É aqui que os economistas da TMM divergem dos novos keynesianos. Um economista da TMM pode dizer que os formuladores de políticas devem ter como objetivo o ótimo. Se os estipuladores de preços estão frustrando essa meta aumentando os preços, os formuladores de políticas podem resolver o problema usando diretrizes ou controles de preços. Um novo keynesiano admitiria que, em um mundo com poder de mercado disseminado, a definição privada de preços não é a first-best. Mas, embora envolver o governo na definição de preços possa melhorar a alocação de recursos do ponto de vista da teoria simples, a complexidade da economia e a história dos controles de preços sugerem que essa solução não é prática.

No final, meu estudo da TMM me levou a encontrar alguma área comum com seus proponentes, sem tirar todas as inferências radicais que eles fazem. Concordo que o governo sempre pode imprimir dinheiro para pagar suas contas. Mas esse fato não livra o governo de sua restrição orçamentária intertemporal. Concordo que a economia normalmente opera com excesso de capacidade, no sentido de que a produção da economia muitas vezes fica aquém do seu ótimo. Mas essa conclusão não significa que os formuladores de políticas raramente precisam se preocupar com as pressões inflacionárias. Concordo que, em um mundo de poder de mercado disseminado, a definição de preços pelo governo pode melhorar a definição de preços privados como uma questão de teoria econômica. Mas essa dedução não implica que governos reais em economias reais possam aumentar o bem-estar inserindo-se extensivamente no processo de determinação de preços.

Em termos simples, TMM contém alguns núcleos de verdade, mas suas prescrições de política mais inovadoras não resultam de maneira convincente de suas premissas.

Referências:

AKERLOF, George A.; YELLEN, Janet L. A near-rational model of the business cycle, with wage and price inertia. The Quarterly Journal of Economics, v. 100, n. Supplement, p. 823–838, 1985.

BALL, Laurence; ROMER, David. Real rigidities and the non-neutrality of money. The Review of Economic Studies, v. 57, n. 2, p. 183–203, 1990.

BARRO, Robert J.; GROSSMAN, Herschel I. A general disequilibrium model of income and employment. The American Economic Review, v. 61, n. 1, p. 82–93, 1971.

BLANCHARD, Olivier Jean; KIYOTAKI, Nobuhiro. Monopolistic competition and the effects of aggregate demand. The American Economic Review, p. 647–666, 1987.

MALINVAUD, Edmond. The Theory of Unemployment Reconsidered. Oxford: Blackwell, 1977

MANKIW, N. Gregory. Small menu costs and large business cycles: A macroeconomic model of monopoly. The Quarterly Journal of Economics, v. 100, n. 2, p. 529–537, 1985.

MANKIW, N. Gregory. Macroeconomics, 10th edition, New York: Worth, 2019.

MITCHELL, William; WRAY, L. Randall; WATTS Martin. . Macroeconomics, London: Red Globe Press, 2019.

YELLEN, Janet L. et al. Efficiency Wage Models of Unemployment. American Economic Review, v. 74, n. 2, p. 200–205, 1984.

[Copyright da American Economic Association; reproduzido com permissão da AEA: Papers and Proceedings. Reproduzido com a permissão do autor.]

Publicação original: MANKIW, N. Gregory. A skeptic’s guide to modern monetary theory. In: AEA Papers and Proceedings (Vol 110). 2020. p. 141–44.

Tradução de Tiago Zeitone, bacharel em economia pela PUC-Rio e mestrando em Ciência Política pelo IESP-UERJ.

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